Guerra no Cáucaso

Armênia x Azerbaijão, um conflito geopolítico que envolve questões étnico-religiosas, disputa por territórios e um movimento separatista

Por Renan Lisboa

Em setembro de 2020, teve início o conflito fronteiriço entre Armênia e Azerbaijão que começou com acusações de violação do cessar-fogo por ambos os lados e escalou para um confronto de grandes proporções. Vários veículos da mídia nacional e internacional deram visibilidade para o acontecimento, apesar das críticas feitas por armênios e azeris em relação à cobertura “imprecisa” dos conflitos. Separatistas armênios lutam contra o exército do Azerbaijão, que tentava controlar a região, resultando na pior série de confrontos desde a guerra travada entre 1988 e 1994, que deixou cerca de 30 mil mortos. 

A disputa militar envolve a posse do enclave de Nagorno-Karabakh, região internacionalmente reconhecida como parte do Azerbaijão (país de maioria muçulmana), mas habitada majoritariamente por armênios (de maioria cristã). De acordo com a CNN Brasil, o território depende quase que totalmente dos recursos enviados pela Armênia e de doações de armênios em todo o mundo.

Região de Nagorno-Karabakh em destaque. Fonte: Deutsche Welle.

Segundo o G1, o Azerbaijão tenta retomar o controle da região enquanto a Armênia quer manter o status autônomo da área, como está acordado desde a década de 1990 pelos países que compõem o Grupo de Minsk: Rússia, Estados Unidos e França. De um lado, os armênios argumentam que são maioria étnica e, por autodeterminação dos povos, têm direito ao controle de Nagorno-Karabakh. Do outro, os azeris alegam que a região faz parte do território histórico do Azerbaijão.

Os motivos dessa guerra vão além de questões territoriais, também envolvem questões étnico-religiosas e políticas, visto que o Cáucaso é uma região rica em petróleo e atrai a atenção de Estados vizinhos como Rússia e Turquia, países que disputam influência na região. 

Origens do conflito

Armênia e Azerbaijão fazem parte do Cáucaso, historicamente conhecida como uma região multiétnica que ao longo da história já esteve sob o domínio dos impérios Persa, Otomano e Russo. Por se tratar de uma região habitada por povos diversos, durante muito tempo houve brigas por independência e autonomia, conflitos quase sempre marcados por questões étnico-religiosas.

Desde o início do século XX a demarcação das fronteiras foi considerada um assunto delicado. Após a Rússia invadir e anexar o Cáucaso no início da década de 1920, Josef Stálin, então Secretário das Nacionalidades, iniciou o processo de “sovietização” da Transcaucásia – uma região composta pela Armênia, Azerbaijão e Geórgia – e posterior anexação pela União Soviética. Nesse mesmo período entregou a região de Nagorno-Karabakh, de maioria cristã armênia, para ser administrada pelo Azerbaijão, um país muçulmano. Isso gerou uma grave crise entre os dois povos, porém a situação era controlada pelo fato de ambas as repúblicas estarem sob o domínio do governo central de Moscou. 

Nas décadas seguintes, graças à presença militar soviética na região, a disputa entre a azeris e armênios pela posse de Nagorno-Karabakh esteve sob controle. Mas no final da década de 1980, com o enfraquecimento do governo central de Moscou que atuava como elemento controlador, a população local, de maioria armênia, decidiu se separar do Azerbaijão por meio de referendos e manifestações públicas, o que não agradou o governo azeri. 

Em 1988, a Armênia, disposta a recuperar o controle da região, invadiu o Azerbaijão dando início a Guerra de Nagorno-Karabakh, que terminou em maio de 1994 com a assinatura de um cessar-fogo mediado pela Rússia, EUA e França por meio do Grupo de Minsk. No entanto, nenhum acordo permanente de paz foi acertado. 

Desde então a Armênia tem mantido na região uma ocupação militar considerada pela ONU como ilegal, o que tem causado uma série de disputas fronteiriças entre os dois países ao longo dos últimos anos, situação fugindo do controle em 27 de setembro de 2020.

Acontecimentos recentes

Em novembro de 2020 os dois países assinaram um acordo com a mediação da Rússia, para acabar com as semanas de violentos combates pela posse da região, iniciadas dois meses antes. A agência de notícias France Presse informou que o documento foi assinado pelo presidente azerbaijano, Ilham Aliyev, o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, e o presidente russo, Vladimir Putin. Enquanto no Azerbaijão houve comemoração nas ruas do país, na Armênia, manifestantes contrários ao acordo de paz invadiram as sedes do governo e do Parlamento em Yerevan, capital armênia. Partidos de oposição armênios pediram a renúncia de Pashinyan.

Azeris festejam acordo de paz em Nagorno-Karabakh

Azeris festejam acordo para pôr fim ao conflito armado na região de Nagorno-Karabakh. Fonte: Deutsche Welle

O governo da Armênia anunciou no dia 14 de novembro que mais de 2,3 mil militares foram mortos nos confrontos ocorridos na região. A contagem foi divulgada cinco dias após a assinatura do acordo. Já o governo azerbaijano não informou o número de baixas militares. Eles disseram, no entanto, que pelo menos 93 civis morreram durante os bombardeios. Segundo o governo armênio, cerca de 50 civis foram mortos pelos conflitos iniciados em setembro. Fontes russas estimam que cerca de 5 mil militares de ambos os lados morreram nos quase dois meses de ataques na região. 

O jornal Folha de S.Paulo informou que o acordo prevê que os armênios continuem controlando a maior parte do enclave de Nagorno-Karabakh, onde compõem quase 99% da população de 140 mil pessoas, mas desocupem os sete distritos azeris em torno da região tomados no primeiro conflito entre os dois países. Pashinyan descreveu o acordo como “indescritivelmente doloroso para mim e para o nosso povo”, enquanto Aliyev disse que significava “uma capitulação do inimigo”. 

Vladimir Putin informou que tropas russas seriam enviadas para  Nagorno-Karabakh e para o corredor que separa a região da Armênia. De acordo com o Deutsche Welle, uma força militar com 1.960 soldados e 90 veículos armados de transporte foi enviada em uma missão de cinco anos, que pode ainda ser ampliada, para manter a paz na região. 

Força de paz da Rússia perto da fronteira com a Armênia após acordo para acabar com o conflito militar entre o Azerbaijão e forças armênias na região de Nagorno Karabakh — Foto: Francesco Brembati/Reuters

Tropas russas perto da fronteira com a Armênia após assinatura do acordo de paz — Foto: Francesco Brembati/Reuters

Caso o acordo se mantenha, indicará uma vitória política tanto para Putin, que assegurará sua influência na região por meio de uma força de paz sob o seu comando  (permitindo com isso estabilizar sua fronteira sul, palco de instabilidade para o norte do Cáucaso), quanto para o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, que forneceu auxílio tecnológico e apoio logístico para o presidente Aliyev e viu o seu aliado ter ganhos expressivos sobre as forças adversárias. A Turquia, tradicional aliada do Azerbaijão, elogiou as “importantes conquistas” do país contra a Armênia. 

Mídia  

Em 1º de outubro o governo armênio noticiou que um repórter e um fotógrafo que cobriam para o francês Le Monde teriam sido feridos pela artilharia azerbaijana em Martuni, cidade controlada por armênios. Segundo a Armenpress, além dos jornalistas franceses, dois jornalistas locais também ficaram feridos nos ataques.

No dia seguinte, a agência de notícias azeri criticou a mídia internacional por não divulgar informações dos jornalistas de imprensa locais e estrangeiros feridos em solo azerbaijano. De acordo com a APA jornalistas turcos da Anadolu Agency e azeris da Azərtac, a própria APA, Turan, ARB TV, Khazar TV, Public Television, Space TV, ATV e BAKU TV foram atingidos por ataques das forças armênias.

O jornal Folha de S. Paulo informou que a Armênia conta com vários órgãos independentes de mídia além da TV estatal. O país permite o trabalho de jornalistas estrangeiros e estimula sua ida até a área de Nagorno-Karabakh, mas muito do que é divulgado pela pela imprensa armênia é fortemente impregnado por um tom nacionalista. Em contrapartida no Azerbaijão, o Estado tem forte influência sobre a imprensa local e o país não permite cobertura internacional na sua linha de frente.Em 5 de outubro, a comunidade armênia na Califórnia realizou uma manifestação em frente ao prédio da CNN em Los Angeles, condenando a “falsa equivalência” atraída pelo trabalho da mídia em relação à Armênia e o Azerbaijão. O grupo exige também uma cobertura mais precisa da imprensa no conflito. De acordo com o Los Angeles Times, parte dos manifestantes disse que planejam continuar com os protestos até que a emissora faça “uma boa cobertura das notícias”.

Foto de capa: Francesco Brembati/Reuters

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