O documentário O Mercado de Notícias, de 2014, questiona e analisa o papel da imprensa na sociedade
Por Marina Dalton
O Mercado de Notícias é um documentário de 2014, dirigido por Jorge Furtado, que reflete sobre o papel da imprensa na democracia e na formação da sociedade contemporânea. O jornalismo, desde seu surgimento, possui grande influência sobre a opinião pública e, ao longo do tempo, sua responsabilidade foi ganhando maior atenção.
O filme intercala entrevistas com 13 jornalistas brasileiros e cenas da peça de teatro The Staple of News, escrita pelo inglês Ben Jonson, em 1625. Ainda no século XVII, o autor contemporâneo de Shakespeare trouxe críticas bem humoradas sobre os interesses por trás do jornalismo, as dúvidas sobre a qualidade da informação e o desejo voraz do povo de consumir mais e mais notícias.
Na peça, o jovem Pila fica sabendo da morte de seu pai através de um mendigo pouco antes de completar a maioridade. Naqueles dias, surge na cidade um novo negócio: o mercado de notícias. Pila resolve gastar suas riquezas com esse novo mercado e se interessa em conhecer as funções dos repórteres e escrivães. Ao mesmo tempo, o jovem tenta ainda conquistar a princesa Pecúnia, uma mulher linda e muito cobiçada por todos. Durante a peça, os atos são assistidos e comentados por quatro senhoras que aparecem logo no início: Tagarela, Prazeres, Censura e Expectativa.
Da esquerda para a direita, Tagarela, Prazeres, Expectativa e Censura com o diretor Jorge Furtado
De forma bem humorada, Ben Jonson critica a ganância do ser humano ao colocar a princesa Pecúnia como desejada. Pecúnia é sinônimo de dinheiro e, na gravação de Jorge Furtado, é a única personagem que usa roupas douradas e brilhantes. O próprio dono do mercado de notícias parece querer agradá-la sempre que possível.
Ao centro, Pecúnia, interpretada por Elisa Volpatto.
Há uma reflexão sobre interesses. Ao apresentar os funcionários da agência ao jovem Pila, o dono diz que entre as atribuições dos escrivães está a de inventar notícias quando for conveniente. O próprio protagonista se vê inebriado com o novo mercado e toma decisões por querer fazer algo “digno de virar notícia”.
As cenas da peça são quase todas muito bem colocadas entre as entrevistas dos jornalistas e levam o espectador a pensar sobre o quanto as críticas de Ben Jonson continuam atuais. O jornalismo é muito mais do que contar histórias. É um formador de opinião pública, um poder político e, antes de ser um negócio, deveria ser um defensor da sociedade.
O pesquisador e professor da Universidade de Brasília, Fernando de Oliveira Paulino, aborda a Teoria de Responsabilidade Social da Imprensa (TRSI) em um artigo sobre ética, responsabilidade e qualidade do Jornalismo. Trata-se de uma das quatro teorias formuladas por Siebert, Schramm e Peterson no estudo Four Theories of the Press, e fala dos deveres que a mídia tem para com a sociedade. São eles: verdade, precisão, objetividade e equilíbrio – em tradução livre. A noção dessa responsabilidade não pode ser abalada pela busca incansável pelo dinheiro. A TRSI, segundo Paulino, propõe “entender os veículos de comunicação como entidades que têm como objetivo salvaguardar direitos dos cidadãos”. Para isso, é preciso que a imprensa dê espaço a uma pluralidade de vozes, busque divulgar a verdade factual e ofereça à população meios de cumprir seu direito de acesso à informação.
Hoje em dia, com as novas tecnologias, o papel da mídia se transformou, mas seu compromisso deve permanecer o mesmo. Antes, o jornalista exercia o papel de gatekeeper, de porteiro, e decidia o que o público ficaria sabendo ou não. Como ilustra a peça The Staple of News, o povo tinha sede de ir até o mercado comprar notícias para ficar informado e ter assuntos para conversar. Agora, todo tipo de informação está disponível na internet. Pode-se dizer que o papel da imprensa passou a ser mais de curadoria e a credibilidade ganhou um valor ainda maior.
Se a prensa de Gutemberg representou uma revolução no século XV, a internet nos faz viver uma revolução em tempo real. No mundo virtual, somos bombardeados com um mar de informações a cada instante e, infelizmente, muitas delas são fake news. As redes sociais, em especial, parecem ser o terreno mais fértil para inverdades e, consequentemente, o que mais precisa do jornalismo enquanto instituição democrática a serviço da sociedade.
Sim, é verdade que toda comunicação possui interesse. Nenhuma informação é compartilhada sem que as duas partes, emissor e receptor, tenham interesse por trás do conteúdo da mensagem. Não é diferente com o jornalismo: trata-se, no fundo, de um negócio que precisa se autossustentar. Para isso, a imprensa cresce em credibilidade e conquista seu público, a fim de criar meios interessantes à veiculação de publicidade e gerar lucro.
Entretanto, não deixa de ser necessário que esse “mercado de notícias” tenha noção de seu papel social e se responsabilize sobre ele. A transparência e a prestação de contas parecem ser os meios mais sensatos de mostrar tal consciência.