Mídia vs Realidade: enfoques dados pelo jornalismo na cobertura climática

Como os debates sobre as mudanças do clima influenciam na perspectiva da sociedade sobre este problema

Por Gabriela Martins e Láisa Leite

Nos últimos anos, tem-se presenciado uma crescente preocupação em relação às mudanças climáticas e seus impactos no Planeta. As previsões acerca do clima têm se tornado cada vez mais precisas — como os alertas sobre as ondas de calor que atingem o Brasil — graças aos avanços tecnológicos e científicos. No entanto, é importante ressaltar que nem sempre estes prognósticos são noticiados de forma adequada, adquirindo uma cobertura sensacionalista e tendenciosa por parte dos veículos de comunicação. 

A maior parte da população se informa sobre o que está acontecendo no mundo por meio das mídias de massa e das mídias sociais. No Brasil, a principal fonte de informação é o Whatsapp. Uma pesquisa realizada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal apontou que 79% dos entrevistados afirmam ter como principal fonte de informação o aplicativo de mensagens. Logo, o que é e como é divulgado é capaz de gerar pânico e prejudicar a credibilidade dos veículos de comunicação, além de não contribuir com o principal objetivo que é fazer mudanças reais e assertivas em prol da saúde do Planeta.

Manchetes como “o fim do mundo está próximo”, ou a propagação da ideia de que restam apenas três ou cinco anos viáveis à existência humana têm sido motivo não apenas de alvoroço, como também de inércia na tomada de atitude por parte da sociedade. Embora seja compreensível que a mídia busque atrair a atenção do público, é fundamental que haja um equilíbrio entre informar e evitar alarmismo desnecessário. O sensacionalismo exacerbado pode resultar em um público apático, cético e desesperançado, já que a constante exposição a cenários apocalípticos pode levar as pessoas a acreditarem que não há nada que possam fazer para mudar o curso dos eventos.

Recentemente, o Cristo Redentor recebeu uma projeção luminosa do “Relógio do Clima”, que informava o tempo restante para barrar o aquecimento global em até 1,5 grau — meta estabelecida no Acordo de Paris (documento que define um conjunto de medidas a ser adotadas pelos países signatários visando à diminuição das emissões de gases de efeito estufa). Porém, o que realmente chamou atenção na projeção no Rio de Janeiro foi a informação que a data limite estava a menos de seis anos. Deste modo, a mensagem foi interpretada como uma contagem regressiva para um possível apocalipse.

Fonte: Colabora (Foto: Tatiele Azeredo / Instituto Talanoa)

Exagero e a heurística do medo associada às mudanças climáticas

Desde a elaboração do Protocolo de Quioto, em 1997, as mudanças do clima ganharam destaque na mídia e se estabeleceu que era necessário agir com urgência para frear a aceleração do processo de aquecimento global causado pelo Homem. 

A partir de então, a cobrança por um esforço político de conter e reduzir as emissões de gases poluentes prevaleceu nos discursos midiáticos. Entretanto, as notícias sobre o tema possuem uma visibilidade cíclica, atrelada a eventos, catástrofes e lançamentos para ser discutido.

Isso porque, como aponta Caroline Rodas e Gabriel Di Julio no artigo “Mídia brasileira e mudanças climáticas: uma análise sobre tendências da cobertura jornalística, abordagens e critérios de noticiabilidade”, as mudanças do clima não carregam muitos valores-notícia por si só, porém outros eventos que perpassam o assunto prevalecem para que as ameaças desse fenômeno sejam discutidas.

Sendo assim, de tempos em tempos, imagens de ruas destruídas por catástrofes ambientais estampam capas de jornais e protagonizam horas da televisão aberta. Aproveitando o embalo e o medo já instalado na população, algumas manchetes espalham previsões alarmistas e paralisam a sociedade diante de um desastre iminente que, na verdade, pode ser evitado.

Entretanto, no caso das alterações do clima, a adoção de um enquadramento focado em eventos extremos, não no problema em si, contribui para esta compreensão apocalíptica da situação. A abordagem do assunto por um viés fatalista era bastante comum nas manchetes da revista Veja até meados de 2015, que, junto a manchetes dramáticas, afastaram o teor científico dos fatos relatados. 

Capa da revista Veja de 2001
Capa da revista Veja de 2006

A promoção do medo na população — considerando o homem como possível culpado por todo o caos climático — como método de correção não é a resolução mais consistente dos problemas que o planeta enfrenta. Em uma sociedade produtora dos próprios riscos cataclísmicos, os valores coletivos se constroem com base na negatividade de uma heurística do medo, que paralisa atitudes efetivas por parte da sociedade e da política.

Diante disso, uma abordagem educativa e ampla sobre o enfrentamento da crise ambiental tem potencial de gerar mais efeitos do que provocar alarde e enfraquecer os ânimos da população. 

Mudanças de postura na cobertura ambiental

Desde o início dos movimentos ambientalistas, a pauta das mudanças climáticas foi introduzida na mídia ao mesmo tempo que o jornalismo científico. As preocupações da comunidade científica com o futuro do planeta contribuíram para que a mídia abordasse com mais frequência o tema e fizessem uma ponte entre comunidade e especialistas para explicar o fenômeno e indicar saídas.

Enquanto o assunto é negligenciado, sobretudo pelo poder público, alguns jornais tratam da questão das mudanças do clima com cautela. A exemplo disso, o artigo de Tourinho Girardi, Beling Loose e Gallas Steigleder, “Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional” apresenta o telejornal brasileiro como um exemplo do avanço nas formas de debater o assunto.

De acordo com o artigo, após informar sobre o temporal que assolou a cidade do Rio de Janeiro em 2019, o telejornal exibiu uma reportagem que explica porque as metrópoles são frequentemente mais atingidas por chuvas fortes, convidou especialistas para falar sobre o assunto e, por fim, a previsão do tempo fechou o assunto relacionando os eventos extremos às instabilidades climáticas.

O Jornal Nacional (JN) é um bom exemplo de como noticiar um tópico tão sensível, rodeado de incertezas. A abordagem adotada por ele desde então se aproxima do que o professor do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Reges Schwaab considera ser uma boa maneira de se construir uma pauta, explorando a capacidade de desdobramentos de um tema.

Diferente de apenas apresentar as catástrofes ambientais, como supramencionado, o JN fez uma ligação entre causas e efeitos do aquecimento global. Desta maneira, o jornal conseguiu abordar o tema de forma ampla, aproximando a discussão do telespectador e, em seguida, apresentando fatos baseados na ciência para completar o entendimento do público sobre o assunto. 

Comunicação de risco e responsabilidade no jornalismo

A atividade jornalística é sobretudo um exercício de interpretação e simplificação dos dados e informações fornecidas por fontes científicas para possibilitar o debate público sobre determinados assuntos. 

No geral, a imprensa participa de um diálogo entre a comunidade acadêmica, órgãos regulatórios e representantes populares para dar fundamento à discussão. No caso do aquecimento do planeta, esses debates visam tanto orientar e promover ações de enfrentamento das crises ambientais quanto informar a sociedade das medidas que as lideranças de cada país ou região têm tomado.

Gerar uma aproximação com o público a fim de criar essa atmosfera de diálogos é uma tarefa difícil. Apesar de os danos das mudanças climáticas serem sentidos, não existe uma assimilação de causa e efeito — que é difícil de ser explicada, uma vez que os riscos, assim como suas causas, são invisíveis.

Além disso, o caos climático é um assunto delicado, atravessado por diferentes áreas, como a economia, política, saúde e outros. O tema ainda pode ser abordado em diversas escalas espaço-temporais, abordando as mudanças no âmbito local ou global e muitas vezes trabalhando com projeções. 

Diante disso, o jornalismo tem a tarefa de contribuir para a compreensão do quadro geral deste fenômeno e incentivar discussões políticas e atitudes do poder público para diminuir os impactos desse fenômeno sobre a população. 

Artigos relacionados

Jornalismo ambiental: teoria e prática [ livro eletrônico] / organizado por Ilza Maria Tourinho Girardi … [et al.] – Dados eletrônicos – Porto Alegre: Metamorfose, 2018.

Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/214497/001078292.pdf?sequence=1 

Tourinho Girardi, I. M., Beling Loose, E. et Gallas Steigleder, D. Novos rumos da cobertura ambiental brasileira: um estudo a partir do Jornal Nacional. 2020

Disponível em: https://www.unilim.fr/trahs/index.php?id=2054&lang=pt 

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