Cenário de incerteza fiscal e medo de uma maior intervenção do Estado na economia brasileira é uma realidade no primeiro ano do novo governo Lula
Por Beatriz Magalhães Reis
Desde que o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou as eleições de 2022, o futuro da economia brasileira é uma pauta que vem sendo trazida cada vez mais à tona. Com uma campanha eleitoral populista cheia de promessas de um governo mais focado no quesito social, o petista convenceu mais de 60 milhões de pessoas a lhe dar uma terceira chance. Antes mesmo de assumir o cargo, conseguiu passar pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados uma PEC, que ficou conhecida como PEC da Transição, permitindo ao novo governo aumentar em R$ 145 bilhões o teto de gastos no Orçamento de 2023, a fim de bancar despesas como o Bolsa Família.
No entanto, ao longo de sua campanha eleitoral, Lula deixou bem clara sua opinião em relação a um teto de gastos. Durante seu discurso de posse no Congresso, defendeu que a regra constitucional que limita os gastos governamentais deveria ser revogada; garantindo que um governo que age com transparência e responsabilidade não precisaria de tal artifício da lei. Contudo, alguns dos políticos de sua base apoiadora, como a atual ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, bateram o pé em relação a isso, afirmando que algum tipo de ancoragem fiscal seria necessária para colocar o Brasil “de volta aos eixos’’.
A responsabilidade de fazer um arcabouço fiscal que beneficiasse a economia do Brasil e, ao mesmo tempo, agradasse Luiz Inácio caiu nas mãos de Fernando Haddad, novo ministro da Fazenda. Na última sexta-feira (17), o plano foi apresentado ao presidente. Mesmo após a aprovação de Lula, a proposta ainda terá que passar pelo Congresso Federal, uma vez que substituirá a emenda constitucional que instituiu o teto de gastos durante o governo de Michel Temer em 2016.
Ainda que os detalhes da regra sejam sigilosos, a atual equipe econômica já demonstrou que ela será mais complexa que a atual. De acordo análise de André Nassif, economista aposentado do BNDES, o novo arcabouço lhe parece “extremamente correto’’ e acredita na expectativa de um superávit em três anos. Por outro lado, o mercado financeiro não tem demonstrado tanto otimismo, já sentindo uma possibilidade do aumento e de uma maior flexibilização dos gastos do governo, uma atitude que impacta a Bolsa brasileira de forma negativa, provocando queda em suas ações e a subida do dólar.
Fernando Haddad seguiu o cronograma de entrega da nova âncora fiscal à risca, e o motivo não foi apenas uma preocupação com a pontualidade. A expectativa do ministro era que o Banco Central considerasse seu plano na hora de decidir os rumos da taxa Selic e antecipasse uma redução desta durante a reunião do Comitê de Política Monetária, Copom, que aconteceu nos dias 21 e 22 de março. Mas, mesmo após os esforços da Fazenda, o resultado da reunião não agradou o ministério e o Planalto.
O embate entre Banco Central e Planalto:
O Copom é um órgão constituído no âmbito do Banco Central, cujo objetivo é estabelecer as diretrizes da política monetária e definir a taxa básica de juros, conhecida como Selic, sigla para Sistema Especial de Liquidação e de Custódia. Uma de suas principais importâncias quando ela é aumentada é ajudar a desacelerar a economia e controlar a inflação. O valor elevado dificulta a realização de empréstimos, logo o poder de consumo da população diminui. Ou seja, quando ela é reduzida, há um aquecimento no setor econômico e o consumo é estimulado.
O comitê se reúne a cada 45 dias para votar se devem manter ou alterar a porcentagem da taxa. Desde agosto do ano passado, ela está sendo mantida no patamar de 13,75% ao ano, uma decisão que vem sendo motivo de fortes críticas de Lula à gestão de Roberto Campos Neto, presidente da instituição, indicado por Jair Bolsonaro em 2019 por ir ao encontro com os ideias do ex-presidente e ser um defensor do liberalismo econômico.
‘’O que eu estou dizendo é a máxima verdade: não existe explicação para a taxa de juros ter 13,75%. Não existe excesso de consumo, não existe inflação de consumo neste país. A economia não está crescendo”, disse Lula em entrevista à Band TV.
O embate entre o chefe do Executivo e o chefe da autoridade monetária chegou ao ponto de Lula questionar a autonomia do banco, que permite à instituição buscar seus objetivos estabelecidos pela lei e pelo CMN, Conselho Monetário Nacional, de forma técnica e imparcial. A presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, também não tem segurado a língua quando o assunto é esse, sugerindo até, de forma bem explícita, que Campos Neto pedisse demissão.
No que tange às opiniões de analistas econômicos há uma certa divergência. Enquanto alguns afirmam ser possível reduzir o valor da taxa tendo em vista que a inflação já diminuiu quando comparada com o valor que estava quando a Selic foi aumentada, a maioria concorda com a postura adotada pelo BC. Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, afirmou que não dá para ter uma queda de juros antes do Congresso aprovar a nova regra fiscal.
Após a divulgação do último boletim Focus, os agentes acreditam na possibilidade da Selic terminar o ano em 12,75%, mas ressaltando que a queda não virá antes do meio do ano, principalmente após a quebra dos bancos americanos SVB e Signature Bank, acontecimento que gerou oscilações no mercado.
Fernando Haddad: a melhor opção?
Fernando Haddad, professor de ciências políticas, mestre em economia e doutor em filosofia. Este foi o perfil escolhido para chefiar um dos ministérios mais importantes do país: a Fazenda. Uma decisão que gerou muito burburinho na mídia e repercutiu negativamente na Bolsa brasileira, uma vez que o mercado possui uma certa desconfiança quando se trata do PT por conta dos últimos governos, além do nome Haddad não ser técnico ou de renome no meio econômico.
Durante o governo de transição, em meio às especulações de quem ocuparia o cargo, alguns nomes foram levantados, como: Aloízio Mercadante, presidente do BNDES, Guido Mantega e o do atual ministro. Alguns analistas do mercado destacaram que de todas as opções, Haddad foi a menos pior, visto que o paulista é considerado como o ‘’petista mais tucano’’ do partido.
Contudo, ao mesmo tempo que essa característica consegue ‘’tranquilizar’’ alguns economistas, não é algo muito bem quisto dentro do PT, principalmente aos olhos da presidente. Mesmo não tendo um cargo na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, Hoffmann tem se mostrado uma pessoa cheia de opiniões e que, às vezes, quer mandar mais do que os ministros empossados.
Uma das principais preocupações é que o novo ministro aja como uma marionete do atual presidente e esqueça de exercer seu papel para com a economia brasileira. Com apenas três meses de governo, ainda é cedo para bater o martelo nesse quesito. Todavia, Haddad já tomou algumas decisões que não agradaram muito Luiz Inácio, como a reoneração dos combustíveis, visando um maior equilíbrio fiscal do país, mas como consequência onerando a população, algo que Lula prometeu ao longo de sua campanha que iria evitar.