REDESCOBERTA DO CINEMA NACIONAL POR “EDITS” EM REDES SOCIAIS

Vídeos curtos de trechos de filmes revivem interesse e audiência do público para produções brasileiras 

Por Thamires Pinheiro e Isabella Castelo Branco

A onda de “edits” criados por fãs e páginas de cinema está estimulando o interesse e a audiência em filmes nacionais por meio de compilados de cenas cortadas. Esse fenômeno tem ganhado popularidade em redes sociais, como o TikTok, X e Instagram, e ampliado o alcance  da produção cinematográfica brasileira.

Os jovens consomem um novo estilo de conteúdo atualmente, mais rápido e prático, o que se encaixa perfeitamente na proposta desses vídeos. O uso das cenas chamativas, músicas em alta e filtros colocados nas edições cativam e atraem os jovens a se interessar pelos filmes.

A divulgação desses vídeos curtos e o alcance de público faz com que o assunto seja cada vez mais comentado e visualizado, proporcionando uma comunidade mais engajada ao cinema brasileiro, o que constrói um pensamento de apreciação pela cultura nacional e a ajuda na sua preservação. 

Um exemplo desse fenômeno é o vídeo do filme Bingo: O Rei das Manhãs, dirigido por Daniel Rezende em 2017, postado no X pelo perfil @scfimoon, que atingiu 16 milhões de visualizações. As buscas pelo filme no Google aumentaram em 100%, segundo o Google Trends. O longa foi um dos assuntos mais comentados da semana no aplicativo, o que mostrou o interesse e o engajamento dos usuários por um filme que na sua estreia foi assistido por apenas 62 mil espectadores. “Provavelmente, mais pessoas assistiram a Bingo nas últimas duas semanas do que em toda carreira no cinema e no streaming”, disse o diretor Daniel Rezende, em entrevista ao jornal O Globo. 

Resultados de buscas pelo filme “Bingo: O Rei das Manhãs” no Google Chrome Foto: Google Trends

Ygor Palopoli, colunista no Terra Brasil, roteirista e editor de conteúdo audiovisual, em uma postagem no X (@ygorpalopoli), comentou sobre o filme: “Numa palestra que fui no TikTok, uma pesquisadora falou sobre como o nicho dos edits causa, por vezes, um efeito dominó positivo que revive o interesse em alguns filmes. Vi muita gente aqui dizendo que assistiu Bingo por causa desse ‘edit’. Pra mim, um lado positivo das redes”. 

O caso não apenas comprova o aumento do engajamento na internet sobre o assunto, como também mostra o desempenho positivo que as redes sociais podem trazer para a cultura do país no meio audiovisual. Outros perfis, como @outcinemabr da rede social X e a @filhademary no Tiktok,  são exemplos de grandes páginas que produzem esse conteúdo.

 Além do surgimento dos “edits” em páginas e fãs do cinema, é comum a criação desse tipo de material a partir da influência de famosos e pessoas em alta nas redes e televisão, após os próprios citarem algo sobre um filme. Um exemplo é a ex-participante do Big Brother Brasil 2024 (BBB24), Fernanda Bande. A ex-BBB mostrou entender bastante sobre o assunto e viralizou nas redes sociais pelo seu carinho e sua memória das cenas e filmes brasileiros.  Fernanda tinha um quadro criado pelos participantes da casa mais vigiada do Brasil, no qual ela contava detalhadamente cenas do filme escolhido da semana. 

Um dos filmes narrados pela ex-participante é Estômago de 2008, dirigido por Marcos Jorge. O drama com comédia ganhou um compilado das cenas nas redes sociais e viralizou, atingindo o primeiro lugar dos filmes mais assistidos na plataforma Globoplay na semana. Fernanda também influenciou na criação de outros “edits”, como o do filme Bruna Surfistinha, dirigido por Marcus Baldini em 2011 e estrelado por Deborah Secco.

Cinefilia e Letterboxd 

Com o crescente número de espectadores desses filmes, a comunidade que consome e discute seus conteúdos também se expande. Críticos e perfis especializados utilizam as mídias sociais como veículo de trabalho, onde atuam como influenciadores, principalmente depois do incêndio da Cinemateca Brasileira em 2021, que levou esses profissionais às redes para manifestar sobre o descaso com o acervo nacional. Esse movimento aproximou o grande público da comunidade cinéfila – pessoas que gostam e compartilham o seu interesse pela sétima arte. 

A crítica e colunista do Cinema Ação, Fabiana Lima (@fabianalr_) destaca em sua página: “Todas as iniciativas de restauração de títulos não teriam provocado um movimento tão grande se não fosse pelo incentivo, ativo, de críticos que atuam hoje como influenciadores também nas redes sociais, compartilhando visões e conhecimentos que antes eram restritos a um grupo muito pequeno de pessoas. A geração atual, e eu me incluo nisso, tem redescoberto o nosso cinema e, de  modo geral, o que foi feito antes dos anos 2000, pelas redes sociais”.

O fenômeno da cinefilia entre os jovens brasileiros trouxe novos usuários para o Letterboxd – plataforma de registro, avaliação e comentários sobre filmes entre amigos e críticos. Inúmeras listas de filmes brasileiros separados por gêneros e diretores criadas por usuários cresceram nos últimos meses, o que aponta a procura e o consumo do público por filmes nacionais. Diretores de cinema também compartilham e avaliam filmes, o que aproxima o público do criador, como o brasileiro Kleber Mendonça Filho com um perfil com 17 mil seguidores na plataforma e Martin Scorsese, dono do perfil com maior número de seguidores no aplicativo.

Quem sai ganhando com essa proposta?

Além das páginas conseguirem um aumento significativo de seguidores, elas podem também entrar na monetização das redes de acordo com o algoritmo. Os streamings possuem em catálogo alguns filmes e séries nacionais, como a Globoplay que se destaca com o maior número dessas produções no seu catálogo. Apesar da plataforma ainda não utilizar os edits como proposta de publicidade, pode se dizer que essa onda de vídeos contribui para o aumento de assinantes e espectadores, sendo até uma boa proposta para um novo modelo de publicidade a se instalar nas redes. Afinal, tudo aquilo que conversa bem com a chamada geração Z traz bom engajamento e, consequentemente, lucro.

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