CRÍTICAS, MENTIRAS E DESINFORMAÇÃO

Acusado de aumentar o currículo, Joel Jota desiste de ser padrinho do Time Brasil nas Olimpíadas de 2024 e COB apresenta inconsistências quanto à função do cargo

Por Laíse Matos

Após anúncio do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) no dia 17 de abril, Joel Jota, ex-atleta de natação e influenciador digital, foi alvo de críticas. Isso porque, de acordo com jornalistas e nadadores, seu currículo seria “exagerado” e “mentiroso”. Dois dias depois do convite oficial, ele renunciou ao título de padrinho da delegação brasileira nas Olimpíadas de Paris 2024 através de postagem no Instagram:

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Reprodução/Instagram

Com soma de mais de dez milhões de seguidores em redes sociais, Joel Moraes Santos Júnior foi nadador durante 15 anos, mas não obteve índices olímpicos. De acordo com o site da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), seu desempenho mais notável ocorreu no Open Correios de 2005 — torneio brasileiro de natação da CBDA —, quando conquistou bronze nos 50m borboleta e nos 100m medley, modalidade que engloba nado borboleta, costas, peito e crawl na mesma prova. 

Respectivamente, o pódio dos 50m borboleta e dos 100m medley. Reprodução/CBDA

Dados  do perfil do ex-atleta no portal da confederação mostram que Jota possui 64 medalhas de ouro, 53 de prata e 45 de bronze em competições de toda a carreira, desde campeonatos juvenis e regionais a nacionais. Entre as marcas de destaque, estão o Troféu Dr. Tancredo Neves — Campeonato Brasileiro Interclubes de Natação —, em 2000, e o Campeonato Paulista de Verão de 1998, ambos com o 1° lugar nos 50m livres. 

Reprodução/CBDA  

Ao fim da carreira, se dedicou ao papel de treinador e se formou em Educação Física na Universidade Santa Cecília, onde também deu aulas. Entre 2014 e 2018, coordenou o Instituto Neymar Jr. a convite do pai do jogador, aluno e amigo de Jota. O influenciador digital possui doze empresas em que vende mentorias e palestras. E, como autor, tem cinco livros publicados. Um dos fatores que também lhe deu notoriedade foi a participação como jurado do Shark Tank Brasil — reality show de empreendedorismo. 

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  Reprodução/Instagram

Entre os questionamentos que Jota cita está o de Joanna Maranhão, ex-nadadora brasileira. Em perfil no X, antigo Twitter, ela duvidou de informações presentes no site do influenciador: “O problema está na mentira. Não existe problema algum em não ter chegado a seleção ou não ser atleta de ponta. A questão aqui, é que esse cidadão vende o que não foi. E vou além, ele não é psicólogo”. A medalhista se referiu ao resumo biográfico no qual o denomina “atleta profissional da Seleção Brasileira de Natação, diversas vezes campeão brasileiro como nadador e treinador”.

Reprodução/@Jujuca1987 no X

Em notícia, o Estadão afirmou haver ainda um trecho em que Jota era “considerado um dos nadadores mais rápidos do mundo”, mas a informação foi removida no dia seguinte à repercussão para que, segundo ele, não “machucasse” outros atletas.  Também de acordo com o jornal, o então nadador disputou a primeira fase da Copa do Mundo de Natação em 2005, realizada na África do Sul, e ficou em sétimo lugar. Porém, em outra matéria, o veículo apontou que a participação era realizada mediante pagamento da inscrição, sem necessidade de ser convocado pela CBDA. 

Quanto às acusações de jornalistas apontadas no comunicado oficial, pode-se citar Demétrio Vecchioli, na coluna “Olhar Olímpico”, do Uol, que chamou Jota de mentiroso, “Dizer que foi ‘um dos nadadores mais rápidos do mundo’ é, no mínimo, um exagero (enooorme). Já a parte de ser ‘o maior treinador de alta performance do país’, destacada no site dele, é só mentira mesmo”. Após esclarecimento por parte do acusado, a versão do empresário foi acrescida ao texto. “Jota disse à coluna que o trecho, em meio a seu currículo esportivo, diz respeito à sua carreira como ‘treinador’ de carreiras de ‘alta performance’”, afirmou Vecchioli.

Como explicitado ao final do texto, trata-se de uma visão opinativa de Vecchioli. Entretanto, o dever com a veracidade e a apuração jornalística permanece fundamental. Entre as fontes citadas pelo autor estão o próprio Joel Jota e o perfil do ex-nadador no Swim It Up — maior banco de dados da natação brasileira — e na World Aquatic — unidade responsável pela administração de competições internacionais nos desportos aquáticos —, que classificou o então atleta como 104° nos 50m livre de piscina curta em 2005.

Entrevistado pelo F5 — divisão de entretenimento e cultura pop da Folha de S.Paulo —, Jota disse que a discussão veio de um “ruído na comunicação”. A posição na Copa do Mundo de Natação foi citada como justificativa para se denominar um dos melhores: “Eu fui e fiquei em sétimo. Então, sim, sou um dos nadadores mais rápidos do mundo”. O empresário também se defendeu para o Estadão: “Eu não estou indo para nadar. Eu estou indo porque eu sou uma pessoa que tem rede social grande, que posso mostrar os valores olímpicos”.

Por ser uma figura que utiliza de sua imagem para vender cursos e mentorias, a trajetória profissional de Joel Jota, ou qualquer possível informação falsa apresentada por ele, pode ser caracterizada como utilidade pública aos consumidores. Desse modo, a apuração dos fatos, seja por inverdades ou pelo uso de palavras tendenciosas, cumpre com o dever jornalístico de divulgar notícias de interesse público, definido no segundo parágrafo no Artigo 6° do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros

Por outro lado, um dos pontos principais da cobertura é ouvir os personagens da história. Nesse caso, o posicionamento do ex-atleta seria indispensável. Entretanto, no comunicado oficial, Jota afirmou ter sido chamado de “charlatão” sem que fosse procurado, o que se daria em desconformidade com o Artigo 12° da deontologia vigente, o qual garante o compromisso de escuta com o alvo de acusações.

Não fica claro, porém, a quais jornalistas essa crítica se refere. Como dito anteriormente, o empresário deu entrevista à Folha de S.Paulo, à coluna “Olhar Olímpico”, do Uol, e ao Estadão. Também falou com a Veja e, após desistência, com Fábia Oliveira, do Metrópoles

Embora, no que tange ao noticiamento, haja certa uniformização das informações apresentadas, essa padronização da cobertura se esvai quando se trata do papel de Jota nas Olímpiadas. Veículos como Uol, CNN Brasil e Estadão afirmaram que o empresário atuaria como mentor dos competidores. Essa atribuição também esteve presente nas acusações de Joanna Maranhão. Em contrapartida, o Globo Esporte (GE), o G1 e a Veja utilizam somente o termo “padrinho”. 

A alteração de uma palavra, nesse caso, faz toda diferença. Isso porque, de acordo com a própria COB, o intuito do programa de padrinhos e madrinhas é a promoção dos esportes olímpicos e o engajamento da torcida. Por isso, a lista é preenchida por pessoas com influência nas redes sociais, como Sabrina Sato, Fernanda Tavares e Larissa Manoela. Ao contrário da função exercida por um mentor, que auxiliaria na preparação psicológica e estratégica dos atletas olímpicos.

Segundo a entrevista de Jota para a Folha de S.Paulo, o cargo foi mal interpretado. “Eu não sou mentor esportivo, e sim um padrinho do Time Brasil”, afirmou. Embora o influenciador dê a entender que o problema estava nos atletas e jornalistas, a inconsistência se originou da divergência de informações divulgadas pelo COB.

Em nota, o presidente do comitê, Paulo Wanderley, esclareceu a dúvida: “Diferentemente do que havia sido anunciado pela diretoria de marketing em entrevista ao canal do influenciador, Joel Jota não prestaria mentoria aos atletas e demais integrantes da delegação em Paris”. Apesar de ter sido retirado das plataformas, o GE publicou o trecho exato do convite, feito por Gustavo Herbetta, diretor de marketing do COB:

Vídeo GE

Como objetivo principal do jornalismo, a divulgação dos fatos com veracidade e utilidade pública se cumpre na cobertura, em conformidade com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Desde o noticiamento das críticas e informações tidas incorretas ou exageradas ao anúncio de desligamento por parte de Jota, a apuração é ferramenta fundamental para que mostre ao leitor, caso esteja errado, o porquê do equívoco e qual seria a verdadeira ocorrência. 

A partir da análise crítica da mídia é possível entender que esse princípio foi utilizado de maneira proveitosa, salvo situações em que não tenham entrado em contato com o alvo das acusações, como diz o ex-atleta em seu pronunciamento. Por isso, ao noticiar as diferentes versões e trazer os fatos que respaldam ou não os depoimentos, o jornalismo deixa o livre entendimento do usuário para que, armado das informações necessárias, possa escolher se consome o conteúdo de Joel Jota.

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