NADA SE CRIA, TUDO SE COPIA: O DEBATE POR TRÁS DAS ILUSTRAÇÕES NO ESTILO DISNEY PIXAR GERADAS POR IA

Adoção do serviço público de IAs em campanhas de marketing nas redes sociais causou discussões sobre a relação ética-moral no uso da tecnologia para gerar imagens

Texto de Ana Beatriz Assenço e Felipe Santos

A utilização da inteligência artificial vem ganhando visibilidade e debates éticos sobre seu uso consciente nos últimos anos. Em 2023,  a discussão aflorou após nova tendência na internet, em que milhares de usuários, inclusive órgãos do poder público e até a primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, usaram a inteligência artificial para criar ilustrações no estilo “Disney Pixar. A trend viralizou a ponto de grandes nomes aderirem à tendência para dialogar com o público nas redes sociais, o que levantou mais uma vez questões  a respeito da substituição do trabalho humano por IA e sobre os direitos autorais de obras. 

Crédito imagem: Reprodução/Twitter Crédito imagem: Reprodução/Instagram

A nova tendência promete criar imagens personalizadas para cada usuário, copiando o estilo de animações 3D famosas do estúdio. Ferramentas de inteligência artificial, como o Bing Image Creator, que é gratuita e de fácil uso, produzem  imagens a partir de comandos de textos, usando o algoritmo de outras obras artísticas como referência. A pesquisa de Beccari, Kussler e Oliveira, Imagens [de]generativas: o ensino de artes visuais e design gráfico face à inteligência artificial, explica que a ausência do consentimento dos criadores para o uso das artes, “tem levado muitos artistas a retirarem o seu trabalho  de  plataformas  virtuais  com  acesso  aberto,  e  enquanto  alguns argumentam  que  a  IA  deveria  excluir  artistas  vivos  de  seu  banco  de  dados, adotando somente obras de domínio público, outros protestam contra a própria existência dessa tecnologia”.

Enquanto usuários recebem obras gratuitas, as IAs ganham treinamento e aprendem com os comandos fornecidos, se aprimorando ainda mais. Na internet, vários sites ensinam o passo a passo para fazer sua ilustração e entrar na trend, e o que antes era um trabalho feito exclusivamente por um artista, agora pode ser realizado por qualquer pessoa com acesso à IA. De acordo com matéria do G1, de novembro de 2023, alguns artistas estadunidenses entraram com um processo de direitos autorais contra as empresas Midjourney e Stability AI por supostamente usarem seu trabalho para treinar sistemas de inteligência artificial. Em entrevista à agência de notícias Reuters, os artistas revelaram que o uso de inteligência artificial para gerar imagens é “valorizado principalmente como dispositivos de lavagem de direitos autorais”. O juiz responsável pelo caso negou parte do processo, mas deu permissão para que os artistas fizessem reivindicações em uma nova queixa.

Pesquisadores alertam que a inteligência artificial não proporciona um serviço mais inteligente, “ela se trata de uma estratégia de marketing para submeter os seres humanos a uma forma de trabalho ainda mais precarizada”. Apesar de prometer usos de inteligência de auto-treinamento, aprendizagem profunda (deep learning) e redes neurais de informações, elas ainda só são capazes de filtrar, selecionar e depurar uma grande quantidade de dados na internet, a partir da inteligência e criatividade de artistas humanos.

Inteligência Artificial sem “filtro ético”

As ilustrações no estilo “Disney Pixar também trouxeram debates sobre racismo por trás do algoritmo das IAs. Um caso que gerou bastante repercussão foi o da deputada Renata Souza, do Psol, que, em outubro de 2023, pediu  para a inteligência artificial criar a ilustração de uma “mulher negra, de cabelos afro, com roupas de estampa africana num cenário de favela”. A IA criou uma ilustração de uma mulher segurando uma arma.

Crédito imagem: Reprodução/Twitter

Adriana Gonçalves, Luísa Torre e Paulo Victor Melo, autores da pesquisa Inteligência artificial, algoritmos e media: diálogos de pesquisa, debatem a preocupação com o racismo algorítmico e a falta de “filtros éticos” na criação de imagens, uma vez que o poder público adota  serviços de inteligência generativa. “A questão do racismo algorítmico é ainda mais grave pelo fato de que, cada vez mais, governos e instituições públicas estão adotando tecnologias baseadas em IA”.

O presidente da Associação Nacional dos Jornalistas (ANJ), em entrevista na LatAm Journalism, disse que era preciso “evitar os mesmos erros cometidos no advento da internet” e reforçou a importância da regulamentação do uso de IAs nos veículos de comunicação, com o objetivo de criar normas éticas para o uso saudável da ferramenta. Apesar de ser uma tecnologia inovadora que atrai a atenção de todos, principalmente por parecer algo prático e inteligente, ainda precisa de uma atenção maior para seu uso responsável em relação ao seu algoritmo, criado com base em valores de outras pessoas e com obras de outros artistas que tem seu direito responsável.

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