GRITO DE SILÊNCIO

Assédio no futebol feminino é marcado por manifestações dentro de campo e repercussão à procura de respostas no meio jornalístico 

Por Laíse Matos

A quinta rodada do Brasileirão Feminino, que ocorreu entre 12 e 15 de abril, foi marcada por protestos contra Kleiton Lima, então técnico das Sereias da Vila — Santos FC — acusado de assédio moral e sexual em passagem anterior pelo clube. Atletas de outros times, como Corinthians, Palmeiras e Internacional cobriram a boca durante o hino nacional para manifestar indignação à impunidade do caso.

Protesto do Corinthians durante o hino nacional. Reprodução/ R7 notícias

A denúncia de assédio ocorreu através de cartas anônimas de 19 jogadoras que descrevem “toques indevidos”, “comentários desrespeitosos” e “piadas nojentas”. “Meu psicológico foi muito afetado, desenvolvi crises de ansiedade, falta de confiança nos treinos, sofro de insônia”, diz uma das cartas divulgadas pelo Uol. Na época do caso, setembro de 2023, Kleiton Lima se desligou do Santos. Depois de sete meses, o técnico voltou ao comando do time no dia 8 de abril.

Apesar do noticiamento de retorno ser algo comum no esporte, o que marcou a cobertura foram esclarecimentos tanto da direção quanto do acusado. “O Santos agiu da maneira correta como instituição. Chegamos a um consenso que nada ocorreu como foi colocado nas cartas. O senso de justiça mora no Santos e tem que morar em nossos corações. Isso serviu para que ele também voltasse como pessoa e profissional melhor. O Santos deu tempo para que as coisas se esclarecessem”, disse Alexandre Gallo, coordenador de futebol do clube, na coletiva de apresentação.

Da esquerda para a direita, Thaís Picarte, Kleiton Lima e Alexandre Gallo. Reprodução/Santos FC

Como explicitado no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, no parágrafo primeiro do Artigo 12, é dever da profissão escutar todos os envolvidos, principalmente os acusados. Desse modo, a apuração dos fatos, além de estar em conformidade com o manual jornalístico, também cumpre o papel de informar por meio de provas que fundamentam a informação, como feito na apresentação das cartas. 

A ESPN, canal televisivo e portal de jornalismo esportivo, ouviu membros da equipe técnica e jogadoras do Santos: “Nossas denúncias foram abafadas. Fomos silenciadas, taxadas de louca e depois mandadas embora. Tudo foi acobertado, fomos caladas lá dentro, fomos proibidas de falar sobre qualquer assunto lá dentro”. As atletas afirmaram ter sido instruídas pelo clube a não registrar boletim de ocorrência na polícia. A notícia preservou a identidade das fontes.

Em matéria intitulada “‘Ele se esfregou em mim’: técnico Kleiton Lima volta ao Santos em meio a nova denúncia de assédio”, o Globo Esporte (GE) também trouxe relato de jogadora. Além disso, em outra publicação, ex-Sereias da Vila desmentiram Thaís Picarte, coordenadora de futebol feminino do Santos, que afirmou ter ouvido as atletas durante sindicância.

Outro traço do noticiamento envolvendo as denúncias é percebido em vários critérios da linguagem jornalística. A presunção de inocência, fundamento tanto do Artigo 9° do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros quanto da Constituição Federal de 1988 no Artigo 5°, fica evidente nas palavras utilizadas para se referir a Kleiton Lima, como “acusado”, uma vez que não houve julgamento. Entretanto, apesar desse fator, há respeito também com aquelas que, em seu testemunho, são vítimas. Exemplo disso é a utilização de termos como “relato” e “denúncia”, os quais deixam claro se tratar de um depoimento, mas sem duvidar das informações apresentadas. Assim, o tratamento adotado pelos jornalistas também merece atenção. 

No que tange a luta pela liberdade de pensamento e de expressão, definida no Artigo 6°, o jornalismo pode ser visto como responsável por visibilizá-la, além de protegê-la. O TNT Sports, que possui um dos maiores perfis de jornalismo esportivo do Brasil no Instagram com 18,5 milhões de seguidores, deu voz aos protestos:

Diferentes veículos também pautaram as manifestações. A CNN Brasil escreveu: “Rodada do Brasileirão feminino tem protestos contra técnico acusado de assédio”. A Agência Brasil — agência pública de notícias da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) — também noticiou o caso: “Abertura de rodada do Brasileirão Feminino é marcada por protestos”.

 A indignação transcendeu o futebol feminino e a estrela do skate brasileiro Rayssa Leal protestou durante a etapa de San Diego, EUA, da Street League Skateboarding (SLS)  — liga mundial de skate street —, ocorrida no dia 20 de abril. Em entrevista ao TNT Sports, a medalhista olímpica disse: “As mulheres têm que apoiar as mulheres, sabe? Independente do que seja, no esporte ou na vida mesmo, a gente tem que apoiar. E a gente tem que olhar mesmo para tudo que está acontecendo. Então, não é só um protesto, é bem mais que isso”.

O pedido de desligamento do técnico também foi marcado por notícias que associam o fato aos protestos, como publicado pelo Correio Braziliense. O mesmo é percebido no título de notícias do ESPN, “Kleiton Lima pede demissão do Santos após protestos no futebol feminino”, e da Folha de S.Paulo, “Após protestos, Kleiton Lima deixa posto de técnico do time feminino do Santos”.

A rápida passagem de Kleiton Lima pelo Santos em 2024 representa a necessidade do meio esportivo, que seria uma das editorias “leves” do jornalismo, de tratar temáticas difíceis com seriedade e compromisso, acima de qualquer outra coisa, com a verdade e a apuração. Desse modo, em conformidade com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, o poder disposto aos profissionais da área é utilizado para uma das principais funções do jornalismo: dar voz a quem precisa ser ouvido, para esclarecer questões e, sobretudo, informar com responsabilidade.

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